Sempre gostou dos muito “pequenitos”, os mais frágeis na sociedade.

Entregou-lhes grande parte da sua vida, numa missão que permitiu, com a participação de tantos outros, das maiores conquistas de Abril: a redução da mortalidade infantil e a melhoria dos cuidados de saúde dos recém-nascidos, das crianças e dos jovens portugueses.

Aliou uma excelente preparação profissional a uma vocação para ensinar, ao fascínio em aprender e a grandes qualidades humanas. Ajudou intensamente e com grande entusiasmo a formar várias gerações de médicos, assim como profissionais de enfermagem e outros técnicos ligados aos cuidados de saúde.

No seu dia a dia partilhava tudo o que sabia e sempre ensinou como”vestir a camisola”do Serviço Nacional de Saúde, para o qual sempre defendeu a exclusividade – que praticou toda a sua vida – e o trabalho em equipa, tão enfraquecido nos dias de hoje!

Sempre foi defensor das Liberdades.

Como tantos, nesse tempo, desvalorizava a importância do dinheiro.

Tinha uma qualidade invulgar de gerir equipas multidisciplinares e coordenar esforços. Tratava todos com empatia, simplicidade, respeito e justiça. Com afecto e optimismo geria os mais antagónicos, ele que detestava os conflitos. Conseguia que cada um se sentisse valorizado no seu papel. Tímido, tinha dificuldade em dizer não.

Conjugou essas qualidades com a Humanização em todas as frentes. Começou na neonatologia, estendeu à Pediatria e, nos últimos anos, já como director do Hospital Garcia de Orta, ainda criou o “acompanhante”nos serviços de adultos.

Rapidamente ultrapassou os muros da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, porque melhorar os cuidados em neonatologia implicava racionalizar os cuidados da grávida e do recém-nascido, articular com os cuidados primários de saúde e com os obstetras, equipar e formar as equipas dos serviços pediátricos distritais, transportar o recém-nascido… por vezes, fechar maternidades, quando eram evidentes os benefícios para todos.

E depois continuou, porque os prematuros são”a antecipação do futuro”…promoveu o aleitamento materno e os hospitais amigos dos bebés. A criação dos centros de desenvolvimento foi uma meta prioritária. Lutou pela implementação da pediatria comunitária…

Participou em várias comissões nacionais para a melhoria da saúde da mulher e da criança, com capacidade de envolver os vários grupos profissionais,as populações, os políticos locais e nacionais.

Integrou equipas internacionais, trabalhando na promoção da saúde das crianças no Mundo, sobretudo nas regiões mais necessitadas.

Era um apaixonado por ideias novas. Agarrava-as com entusiasmo e absorvi-as. Aprofundava-as, falando nelas com quem estivesse. Foram “as mães cangurus”, “as inúmeras funções da placenta”, “as doenças do adulto com origem no período neonatal”, a “evidence based medicine”… e tantas outras…

Ensinou-me que a pediatria também é o sofrimento e a morte.

Ensinou-me que a pediatria se aprende ainda nos editorais do Lancet, nos casos clínicos do New England Journal of Medicine, na História da criança, na Literatura, na Arte, nos Sonhos. Levou a música à neonatologia…

Tantas vezes o fui visitar junto dos seus prematuros…

Partiu prematuramente.

Inês Torrado